sábado, 19 de setembro de 2009

DETALHES DO PROJETO VENCEDOR DO PRÊMIO DE CULTURA POPULAR (PARTE 02)


JUSTIFICATIVA: A Dança do Espontão, segundo o historiador e folclorista Luís da Câmara Cascudo, constitui a “denominação de uma dança guerreira, que acompanhava a procissão e festa de Nossa Senhora do Rosário no Nordeste. A Dança do Espontão ainda existe nos municípios de Jardim do Seridó e Caicó, no Rio Grande do Norte. Desde a madrugada de 31 de dezembro, um grupo de negros com espontões, lança e uma bandeira branca percorre as ruas, ao som de três tambores trovejantes. O chefe do grupo é o portador da lança, capitão de lança. Nas residências visitadas, o grupo se detém e dança, agitando a lança e os espontões, em acenos guerreiros, saltos e recuos defensivos. Não há canto. É dança de guerra, ao som do tambor marcial” (ver: CASCUDO, Luís da Câmara, Dicionário do Folclore Brasileiro. São Paulo: Global, 2000, p. 216).
Conforme apontou Luís da Câmara Cascudo, a Dança do Espontão é típica da cultura nordestina, sendo formada por negros, que de espontão (bastão enfeitado com fitas coloridas em sua extremidade superior) nas mãos, percorrem as ruas e avenidas da cidade ao som de pífaros e tambores, em acenos guerreiros. O antropólogo Veríssimo de Melo, que conheceu esta dança em 1963, afirmou que as músicas que eles tocam “são melodias vivas e alegres. Própria da festa, pois não ouvimos semelhante noutros folguedos populares no Estado” (ver: MELO, Veríssimo de. Festa de N. S. do Rosário (dos pretos) em Jardim do Seridó. IN: Arquivos do Instituto de Antropologia. Natal: Universidade do Rio Grande do Norte, 1964, p. 11).
A Dança do Espontão ainda existe na contemporaneidade na cidade de Jardim do Seridó, sertão do Rio Grande do Norte, sendo uma tradição que se repete anualmente, sobretudo, nos dias 30 e 31 de dezembro e 1º de janeiro, desde 1863, quando surgiu um grupo de negros, liderados pelo senhor “Joaquim Antônio do Nascimento, tendo como primeiro batedor de caixa Luiz Joaquim de Santana, tambor-mor Marcelino da Boa Vista e capitão de lança Francisco do Logradouro” (ver: A FESTA dos negros. Revista Jardim do Seridó, 1978, p. 8).
Existente desde 1863, a Dança dos Espontão enfrenta na contemporaneidade os desafios do tempo presente, observada através da recusa dos jovens em não mais fazer parte do grupo. Esta descontinuidade da tradição familiar tem sido um dos desafios enfrentados pelos “depositários da memória”, pessoas conhecidas e reconhecidas pelo grupo como “guardiães da história”, devido à longevidade. Para a senhora Inácia Maria da Conceição, conhecida como Inácia Caçote, falecida em 2008 com 91 anos de idade, antiga Rainha Perpétua do grupo, “no começo, todo mundo dizia: vovó eu vou, vovó eu vou. Quando outros diziam: quando vovó e vovô deixar, eu deixo também. Aí uns deixaram antes de Ludgero deixar e outros ficaram. Agora depois que Ludgero morreu, tão bem pouquinho os meninos daqui”. (CONCEIÇÃO, Inácia Maria da. Entrevista concedida a Diego Marinho de Gois, 28 de jan. 2005).
Para se compreender este contexto, muito útil será a análise feita pelo historiador Eric Hobsbawn, para o qual “a destruição do passado – ou melhor, dos mecanismos sociais que vinculam nossa experiência pessoal à das gerações passadas – é um fenômeno mais característico e lúgubres do final do século XX. Quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vivem”. (HOBSBAWN, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914 – 1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 13).
Este fenômeno é sentido pelo grupo que realiza a Dança dos Espontão, o que justifica este projeto como uma importante forma de valorização da cultura popular, uma vez que, o apoio financeiro na confecção do fardamento, na realização da festa, na entrada de novos membros, na divulgação da dança e da sua história, com a riqueza de sua música, dos seus toques e dos seus batuques, os detalhes de suas danças, suas apresentações e visitas as residências, acompanhadas da corte de reis e seus séquitos, são revestidas de novos significados.
Deste modo, os membros da Dança do Espontão estarão cultivando suas tradições mais que centenárias, revivendo uma memória ancestral e redescobrindo coletivamente seu valor histórico. É hora, portanto, de valorização da diversidade cultural brasileira e nordestina e de se fazer justiça social e cidadania para aqueles que encontraram na dança, a arte de lutar contra as desigualdades sociais.

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