domingo, 22 de março de 2009

Série: NEGROS DO ROSÁRIO – parte 02





Dando continuidade a série: Negros do Rosário, apresentaremos hoje a história de vida do senhor José Fernandes do Amaral, conhecido popularmente como “Zé de Bil” ou “Amaral”; morador da Comunidade Rural Quilombola Boa Vista dos Negros/Parelhas-RN. O senhor Amaral é atualmente o Chefe da Irmandade de São Sebastião e Nossa Senhora do Rosário daquela comunidade e participa anualmente da Festa dos Negros do Rosário de Jardim do Seridó-RN, juntamente com todo o grupo da comunidade. É casado com a senhora Francisca Vieira, conhecida como Dona Chica Vieira, com quem teve 6 filhos.
Seu Amaral nasceu em 1936, sendo filho de João Fernandes da Cruz e Severina Maria da Conceição e formaliza o seu envolvimento com a Festa do Rosário de Jardim do Seridó-RN, a partir de referenciais familiares, como podemos observar na narrativa seguinte:

“Foi por intermédio do meu pai, num sabe? Meu pai fazia parte dessa Festa aqui, aí nós, nesse tempo era tudo jovem, pequeno, aí nós vinham pra festa aqui. Aí se conscientizemos, aí fiquemos aqui. Primeiro, em [19]51 eu vim saltar, quando foi em [19]52 fui bater caixa, aí em [19]53 pra cá, fui Rei, fui Juiz do ano, Rei do Ano e Juiz do Ano. Depois mim tornei Chefe” (AMARAL, 2005).

Nesta narrativa ganham visibilidades os diversos lugares ocupados pelo senhor Amaral na hierarquia da Irmandade do Rosário. Como iniciante “em 51 eu vim saltar”, isto demonstra que primeiro os jovens participam do grupo dos Negros do Rosário como “saltador”, o que significa pertencer a “dança do espontão”, definida por Luiz da Câmara Cascudo como “uma dança guerreira, que acompanhava a procissão e festa de Nossa Senhora do Rosário. [...] Existe nos municípios de Jardim do Seridó e Caicó, no Rio Grande do Norte. [...] Um grupo de negros com espontões, uma lança, uma bandeira branca, percorrem as ruas, ao som de três tambores trovejantes (CASCUDO, 2000, p. 21).
Em 1952 “fui bater caixa”, afirmou Seu Amaral, ou seja, membro do grupo responsável pela musicalidade da “dança do espontão”, constituída pelos instrumentos: caixas, tambores e pífaros. Além disso, de “53 pra cá, fui Rei, fui Juiz”, significando que ele chegou a ocupar os cargos centrais da corte dos Negros do Rosário, formado pelo Rei e Rainha Perpétuos, Rei e Rainha do Ano, Juiz e Juíza Perpétuos, Juiz e juíza do Ano, Escrivão e Escrivã, Presidente e Presidenta e Guardas de Honra. Atualmente, José Fernandes do Amaral exerce a função de Chefe da Irmandade. Neste sentido, todos os assuntos referentes à Festa, especificamente o comando do grupo de Negros do Rosário da Boa Vista/Parelhas-RN, recai sobre sua responsabilidade.
O cargo de Chefe da Irmandade, geralmente é exercido pelos membros mais velhos do grupo, detentores de um conhecimento acumulado, graças aos muitos anos de participação na Festa. O Senhor Amaral alcançou o tempo em que, para participar da Festa, tinha que deslocar a pé, da comunidade até a cidade de Jardim do Seridó-RN, distante mais de 20 quilômetros.

“Nós saia de lá bem de manhazinha, não de tardezinha, passava a noite todinha andando. Aí se perdia nessas matas, aí se perdia, não tinha estrada, né? Descia, não tinha estrada, era vareda. Aí os negros, os negros mais velhos saiam na vareda, aí errava, se perdia, vinha chegar aqui de manhã. Aqui muitas vezes eu chegava de madrugada, os galos cantando, era que nem alvorada. Errava os caminhos, né? Andando nesses matos, nessas matas. Antigamente era só mato, pegava as várzeas do gado, as várzeas onde o gado andava, aí pegava, errava, né? Se perdia, saia noutro, aí era duro rapaz, era duro, mas animado, todo mundo vinha com rancor, sabe? Com vontade de chegar e participar da Festa” (AMARAL, 2005).

Para Seu Amaral, no tempo em que se deslocava a pé para participar da Festa do Rosário “era duro, mas animado”, referência para se pensar nos dilemas da memória, onde o passado, embora marcado pelas dificuldades de passar “a noite todinha andando”, de se perder “aí nesses matos”, que nem estradas tinham, “era varedas”, os moradores da Boa Vista “vinha com rancor”, isto é com força de vontade. Eram as dificuldades sendo vencidas pela fé na Virgem do Rosário.

Um comentário:

Zabé disse...

Valeu Diego, parabéns pelo Blog!
Valorizar as manifestações populares é fundamental quando se deseja perpetuar a cultura. Por curiosidade: o que está escrito na bandeira do mestre de lança?