segunda-feira, 28 de abril de 2008

FESTA DOS NEGROS DO ROSÁRIO: ENREDOS INICIAIS


Apure seus ouvidos, ouça os sons, pois irão começar as festividades alusivas a São Sebastião e Nossa Senhora do Rosário em Jardim do Seridó-RN. O calendário marca 30 de dezembro, enquanto o sino da Igreja, do alto do seu campanário, bate seis pancadas para anunciar a hora do Ângelus. Um pouco distante dali, ouve-se o estourar dos foguetões, proclamando o início da recitação do Rosário à Virgem Maria. Defronte à “Casa do Rosário”, já estão expostas para veneração dos fiéis as imagens dos santos cultuados, em seus andores ricamente ornados de flores.
Homens, mulheres e crianças começam a recitar os padre-nossos e as ave-marias, como que oferecendo rosas à Virgem Mãe de Deus. A cada dez ave-marias entoa-se um bendito mariano. As horas vão passando e as orações se tornando cada vez mais cansativas; os impacientes começam a olhar para o relógio, contando os minutos que se passam. Neste momento, o clima de oração é atrapalhado pelo som da Banda de Música Euterpe Jardinense, que se aproxima para animar a procissão, que acontece logo após a recitação do Rosário. Concluída as 150 ave-marias, reza-se a oração da Salve-Rainha, como que, para coroar o final do Rosário.
Este primeiro momento é seqüenciado pela procissão. À frente do cortejo a cruz procissional ladeada por duas tochas, são conduzidas por senhores vestidos de opas branca. Em seguida, duas filas são formadas pelas senhoras e senhores pertencentes às associações da Paróquia. Mulheres de branco com fitas marrons no peito, pertencem a Pia União de Santa Terezinha; mulheres de azul marinho com fitas vermelhas formam o Apostolado da Oração. A banda entoa o dobrado “Cônego Ambrósio”, característica das procissões em Jardim do Seridó-RN. Seguindo o cortejo, quatro senhoras negras conduzem as bandeiras em homenagem aos santos festejados. Atrás delas, formando três filas, os Negros do Rosário perfilam com suas bandeiras e espontões. Ver-se também os andores com as venerandas imagens de São Sebastião e Nossa Senhora do Rosário, sendo conduzidas pelos fiéis.
Encerrado o dobrado, os Negros do Rosário iniciam as “danças do espontão”, marcando os passos ao som dos tambores trovejantes e dos pífaros. Os sinos da Igreja Matriz repicam alegremente, convocando os fiéis a entrarem na esfera do sagrado e tomar parte da caminhada. O cortejo se aproxima da Igreja, cujo paltamar encontra-se repleta de pessoas aguardando a chegada da procissão e o início dos ritos litúrgicos, que acontecem no interior do templo.
Ao som do hino de São Sebastião, tocado pela banda de música, os sacerdotes elevam aos céus as bandeiras que foram conduzidas em procissão. Circundando o mastro, os Negros do Rosário, também elevam os seus espontões (bastões enfeitados com fitas coloridas em suas extremidades superiores), como que com este gesto estivessem tocando o sagrado, e depositando suas angústias, sofrimentos e esperanças. Aplausos, foguetões e os sinos da matriz emocionam os “sujeitos crentes”, estabelecendo uma relação de troca com o santo de devoção, através de promessas feitas com auxílio de preces. Pedem-se saúde, chuva, dinheiro, enfim uma profusão de elementos que compõem o universo de desejos e interesses daqueles que rezam.
Hasteadas das bandeiras, os Negros do Rosário formam um corredor e com os espontões elevados para o alto, dão passagem aos sacerdotes e as imagens de devoção. Em seguida, aos aplausos dos presentes, os Negros do Rosário adentram ao templo sagrado, dançando com os espontões na mão; emocionando os presentes com os sons estridentes dos velhos tambores e pífaros a entoarem suas melodias, que em virtude das largas paredes do templo, torna uma acústica que fazem os corações vibrares mais forte.
Através destas danças, os Negros do Rosário se concentram defronte ao altar-mor. Os tambores sempre tocando, todos ao mesmo tempo, enquanto os outros negros improvisam os passos. Neste momento, os sacerdotes e os fiéis assistem ao espetáculo de devoção à Virgem do Rosário e espera o “Capitão de Lança” levantar a voz e pronuncias as loas:
Viva Nossa Senhora do Rosário!
Viva São Sebastião!
Viva as pessoas de bem!
Viva a boa sociedade, tronco, ramos e raízes!
Após cada verso pronunciado, os demais Negros do Rosário repetem em coro: “viva!”. Ao termino desta apresentação”, dá-se início a parte litúrgica, segundo os ritos católicos, constituída de novena, comunhão e benção solene do Santíssimo Sacramento.
Diego Marinho de Gois
Bacharel e Licenciado em História pela UFRN
E-mail: dieguitogois@yahoo.com.br

DAS VIAGENS AS FESTAS: O DESLOCAMENTO DOS NEGROS DA BOA VISTA ATÉ JARDIM DO SERIDÓ-RN

As histórias que irei narrar poderia ser iniciada da seguinte forma: “seus pais iam todos os anos a Jerusalém para a festa da Páscoa”, conforme escreve o evangelista Lucas 2,41 acerca do costume dos judeus de viajarem até a cidade de Jerusalém para celebrarem a sua festa anual: a Páscoa. Em um outro tempo e num outro espaço, um grupo de pessoas também realiza anualmente uma viajem para celebrarem a sua festa. São os Negros do Rosário, moradores da comunidade rural Boa Vista dos Negros, localizada a 15 Km de Parelhas, que ano após ano, se deslocam até a cidade de Jardim do Seridó-RN, para participarem das festas de São Sebastião e Nossa Senhora do Rosário, que acontece nos dias 30 e 31 de dezembro a 1º de janeiro. Estas festas, também chamadas de festas dos Negros do Rosário, se constitui um “lugar de memória”, conforme define Pierre Nora (1993), sobre o qual são tecidas diversas vivências comuns, fazendo surgir múltiplas narrativas sobre as vagens das festas ou das festas que aconteciam nestas vagens.
A presença dos negros da Boa Vista nas festas do Rosário de Jardim do Seridó-RN, não é coisa do presente, mas como afirma o senhor José Herculano Vieira (Zé Vieira): “quando a gente nasceu, aí já tinha essa festa, não sabe? Esses mais velhos, que já se acabou, já morreu, eles já faziam essa festa. E o movimento era esse, se deslocava de pés aquele povo, e então o seguinte: a gente foi nascendo, crescendo e continuou. Continuou do mesmo jeito. Primeiro o camarada ia pra experimentar, aí chegava lá, achava muito bom passar três dias de festa. Aí ficava pedindo a Deus que chegasse o próximo ano pra se deslocar de novo”. Desta narrativa, pude perceber que o senhor Zé Vieira legitima as viagens realizadas até Jardim do Seridó-RN, como sendo uma tradição herdada “desses negros mais velhos”, espelhos-vivos para os sucessores.
Seu Zé Vieira participou pela primeira vez de festa em 1944 com apenas 19 anos de idade, e logo se tornou juiz perpétuo da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, que além deste cargo, possui rei, rainha, escrivão, escrivã, presidente e presidenta, além do grupo de pífanos, caixa (tambores) e saltadores.ele participou destas festas até o ano de 1994, ano em que foi acometido por uma “trombose”, conforme nos informou, deixando-o impossibilitado de participar. Portanto, Zé Vieira guarda na memória inúmeras historias destas viagens de festa, e que podem ser divididas em três momentos: o preparativo, o deslocamento e a volta. Cada uma delas com características próprias.
O PREPARATIVO
Realizar uma viagem requer um período de preparação, de saber o que levar, para que tudo ocorra normalmente. Assim, os negros da Boa Vista fazia desde o dia em que o calendário marcava o mês de dezembro. Para Zé Vieira “a gente ia pra feira aqui, agora se faltasse 8 dias pra gente ir pra festa, a gente comprava um quilo de feijão na feira e esse feijão não comia, a gente deixava pra lá, comer lá. Galinha levava, teve ano aqui que matava de hoje pra manha, matava 16 galinhas. Todo mundo levava galinha pra mode almoçar e jantar”.
Todo um aparato doméstico era necessário levar para passar os três dias que durava as festas de São Sebastião e Nossa Senhora do Rosário em Jardim do Seridó-RN. Desde os alimentos como feijão, galinha, até a lenha em que estes produtos eram cozidos deveria ser preparado e levado, conforme complementa: “os mais velhos com as caixinhas, aquela caixa do Rosário, outros mais velhos montado num jumento, com a carga de lenha, com a carga de capim, e era pra gente, pra mim e pra todo mundo uma farra”. Seu Zé Vieira lembra das festas passadas de forma saudosista, onde as dificuldades não se mostravam como um obstáculo, mas como momentos de descontração, de farra, afinal era a festa.
Após o momento de preparação dos alimentos que iam ser consumidos nos dias de festa na Casa do Rosário (residência que serve de abrigo para os negros da Boa Vista), aguardava-se o dia 29 de dezembro, para dar inicio a longa jornada a pé até Jardim do Seridó-RN.
O DESLOCAMENTO
No tempo em que os meios de transportes como o automóvel era raro, o jeito era se deslocar a pé ou montado em animais, como o jumento ou o cavalo, assim narra Zé Vieira: “antigamente a gente se deslocava aqui da Boa Vista, a gente ia de pés e saia ontem que é dia 29 de pés. Os mais velhos daqui iam de pés ou a cavalo, e nós moços ia tudo correndo por aí, nós chegava lá, as vezes o galo cantando, um bocado de moço, bocado de rapaz, não tinha dificuldade pra gente. Daqui pra Jardim é muito longe, mas a gente não achava longe, era mesmo que ser ali. Era, porque tudo com uma namorada, tudo novo. Era uma brincadeira ir pra Jardim de pés, muita gente, muito mesmo”.
As distancias geográfica entre a Boa Vista e Jardim do Seridó-RN, conforme foi possível constatar na narrativa supracitada, era amenizada neste tempo de “antigamente” porque eles eram “tudo novo” e tinha “namorada”, e conclui: “na ida a gente, quando esses mais velhos fumavam, chegava num canto, fazia um fogo, e ali passava um pedacinho e só era caminhar de pés”. Todo esse esforço tinha um objetivo: passar três dias de festa, dançando, bebendo, farrando, mas também rezando e confessando os pecados. Porém, como diz o provérbio popular: “tudo que é bom dura pouco”, as festas de São Sebastião e Nossa Senhora do Rosário, só durava três dias e logo chegava a hora de retornar.
A VOLTA
Embora as “viagens” da Boa Vista para Jardim do Seridó-RN fosse animada, conforme as narrativas anteriores, o caminho “de volta” não é relembrado com os mesmos encantos, porque “tudo já ressacado, com sono, mas a gente vinha. Só que a farra no caminho não era muito não, porque o camarada tava ressacado. Três dias sem dormir em Jardim, porque tando em Jardim ninguém dormia não. Três noite, ma a gente vinha”. Tinha que “voltar”, porque as festas haviam terminado e era o momento de retomar o ritmo da vida na comunidade. Mas essa é outra história...
DIEGO MARINHO DE GOIS:bacharel e licenciado em História pela UFRN, onde defendeu a monografia intitulada Entre Estratégias e Táticas: enredos das festas dos Negros do Rosário em Jardim do Seridó-RN, no 1º semestre de 2006.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

IRMANDADE DO ROSÁRIO DE JARDIM DO SERIDÓ TEM NOVO TESOUREIRO


Aconteceu no dia 6 de março de 2008, a solenidade de posse do novo tesoureiro da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Sebastião de Jardim do Seridó-RN. Em Sessão Extraordinária realizada na Casa do Rosário, o jovem historiador Diego Marinho de Gois tomou posse como tesoureiro desta Irmandade. A solenidade foi bastante concorrida, contando com a presença do Padre Joaquim José de Oliveira, pároco de Nossa Senhora da Conceição; o vice-prefeito desta cidade, o senhor José da Noite de Medeiros; o secretario de cultura Diógenes Santiago; ex-tesoureiros da referida congregação; os “irmãos” da Irmandade de Jardim do Seridó-RN e da comunidade Boa Vista / Parelhas-RN; além de várias pessoas da sociedade jardinense.
A solenidade de posse foi aberta pelas palavras de saudação proferidas pelo Padre Joaquim e pelo discurso de posse do novo tesoureiro, que relatou o entrelaçamento da festa dos Negros do Rosário em sua vida. O ritual de posse foi marcada pela transferência da imagem de Nossa Senhora do Rosário (antiga imagem de 1863) das mãos do senhor Antônio José dos Santos – Chefe da Irmandade -, para as do novo tesoureiro; seguindo-se dos aplausos dos presentes e de vivas a Nossa Senhora do Rosário. A sessão teve como mestre de cerimônia o pesquisador Sebastião Arnóbio de Morais.

VELHAS FESTAS NAS MEMÓRIAS DE VELHOS NEGROS DO ROSÁRIO EM JARDIM DO SERIDÓ-RN.

As festas de São Sebastião e Nossa Senhora do Rosário realizada em Jardim do Seridó-RN me pareciam muito familiar, afinal sou filho de família católica. Assim, como muitas outras crianças, acompanhadas de seus pais, em minha infância, participei dos rituais de coroação dos “reis negros” e me emocionava com os sons estridentes dos tambores a entoarem suas melodias, principalmente quando tocados no interior do templo católico, que em virtude de suas largas paredes, tornam uma acústica que embalava o meu coração. Em 2002, quando de minha entrada no curso de História, me lancei no universo destas festas. O período da graduação foi passando e a idéia de desenvolver uma pesquisa sobre as “festas dos negros” foi sendo amadurecida a partir do diálogo com os professores, das leituras que fiz na experiência acadêmica e dos contatos que mantive com os próprios Negros do Rosário. No entanto, superado o entusiasmo inicial, algumas problemáticas começaram a povoar minhas reflexões: quem são os Negros do Rosário? O que eles buscam nas festas de São Sebastião e Nossa Senhora do Rosário?
Imbuído por um espírito aventureiro saí à “caça”, como diz Marc Bloch em Apologia da História ou o Ofício do Historiador (2001), de narradores; de pessoas que tinham alguma ligação com as festas, objeto do meu estudo. Em contatos iniciais com alguns Negros do Rosário, sempre ficava transparecido que dentro do grupo alguns sujeitos ocupavam o lugar de “guardião da memória”, conforme define Jacques Le Goff em História e Memória (1995). Estes são chamados de os “mais velhos”, pois são detentores de um conhecimento e um reconhecimento dentro do grupo. Segundo Le Goff esses “homens-memória, na ocorrência narradores”, são pessoas como Dona Inácia, Senhor José Vieira, Senhor Amaral e tantos outros que compartilham as mesmas experiências de devoção na festa de São Sebastião e Nossa Senhora do Rosário e se identificam como “irmãos”. Realizei diversas incursões em suas residências, onde eles compartilharam comigo relatos de vidas e de festas. Conversar com essas pessoas foi viajar a diferentes tempos, uma incursão pelos caminhos da memória. Deles levo comigo mais do que simples depoimentos...
Das histórias por eles narradas, pude perceber que nas narrativas de festas, construídas por cada “irmão” de Nossa Senhora do Rosário, não há homogeneidade (embora vivenciem experiências comuns) mas singularidade, pois a articulação de identidade(s) para um determinado sujeito não deve ser a mesma para outro. Assim, as histórias contadas por Dona Inácia não são necessariamente as mesmas para Seu Amaral, pois cada um possuem especificidade de atos e com isso, visões singulares. Portanto, as festas de São Sebastião e nossa Senhora do Rosário constituem um “lugar de memória” como sugere Pierre Nora (1993) sobre a qual são tecidas diversas vivências.
A senhora Dona Inácia, ex-rainha perpétua da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário do grupo de Jardim do Seridó-RN, é um referencial vivo dessa festa e é respeitada pelo grupo que a procura para escutar suas histórias. Sobre a devoção a Nossa Senhora do Rosário, ela narra que seu avô “falava que ela apareceu numa serra, aí foram buscar com música, chegava butava, aí ela voltava pra traz, pra o mesmo lugar. Depois foram buscar as caixinhas, essas caixinhas, os tambores com os seus espontão, aí trouxeram ela ficou, ficou chamando ela de Nossa Senhora do Rosário”. Podemos perceber que esta história sobre a “origem” da devoção a padroeira dos negros se constitui uma “tradição” que é passada de pai para filho e que era ouvindo essas narrativas contadas pelos “mais velhos” que se construíam a própria identidade.
Já para o Senhor Zé Vieira, as festas de antigamente era boa e muita animada porque tinha as alvoradas: “No meu tempo a gente, os negros mais velhos daqui, quando era quatro e meia se levantava todo mundo da casa do Rosário. Ali pegava aquelas caixas, aqueles tambor, pegava e ia lá pro patamar da igreja. Quando soltava o foguetão das 5 horas, aí tocava caixa, tocava música, tocava tudo, tudo”; poetiza seu Zé Vieira, morador da comunidade Boa Vista dos Negros, localizada no município de Parelhas. Os moradores desta comunidade rural são presença marcante nas festas do Rosário de Jardim do Seridó-RN. Dentre as memórias de festas dos membros deste grupo estão as viagens “a pé” feitas até a cidade onde acontecem os festejos. Zé Vieira diz que “daqui pra Jardim é muito longe, mas a gente não achava longe, era mesmo que ser ali. Era, porque tudo com uma namorada, né? Tudo com uma namorada, tudo novo. Era uma brincadeira ir pra Jardim de pés, muita gente, é, muito mesmo. Os mais velhos com as caixinhas, aquela caixa do Rosário, outros mais velhos montado num jumento, com a carga de lenha, com a carga de capim, e era pra gente, pra mim, pra todo mundo, era uma farra. [...] Eu ainda hoje sinto saudade daquele tempo”. O senhor Amaral também alcançou esse tempo e complementa: “nós saía de lá bem de tardezinha, passava a noite todinha andando. Aí se perdia aí nesses matos, [...] Aqui muitas vezes eu chegava de madrugada, os galos cantando”, relembra o capitão de lança.
Perante estas lembranças (re)vividas, pode-se concluir que estas narrativas são, como afirma Michel de Certeau em A Invenção do Cotidiano: artes de fazer (1994), “a possibilidade de representar as trajetórias táticas que, segundo critérios próprios, selecionam fragmentos tomados nos vastos conjuntos da produção para a partir deles compor histórias originais”. Ou seja, cada Negro do Rosário, de acordo com o seu lugar social ocupado na Irmandade, seja como rainha perpetua, juiz perpétuo ou capitão de lança, escolhem fragmentos de memória para relatar e relembrar, ao mesmo tempo em que relacionam com um passado, reafirmando seus batuques, agora transformados em linguagem, sempre sintonizados com as batidas das caixas e pífaros, num ritmo sedimentar de festa e de comemoração.

Diego Marinho de Góis
Bacharel e Licenciado em História pela UFRN.
E-mail: dieguitogois@yahoo.com.br

MENSAGEM DE POSSE DO NOVO TESOUREIRO


As festas de Nossa Senhora do Rosário e São Sebastião de Jardim do Seridó-RN sempre estiveram presentes em minha vida, constituindo-se momentos de devoção e também de sociabilização. Desde a minha infância, estes rituais me pareciam familiar, afinal sou filho de família católica. Assim, com muitas outras crianças, acompanhadas de seus pais, em minha infância participei dos rituais de coroação de reis negros e me emocionava com os sons estridentes dos tambores de caixas a entoarem melodias tradicionais, principalmente quando tocadas no interior do templo católico, que em virtude de suas largas paredes, torna-se uma acústica que embalava o meu coração.
Como se muito de mim estivesse presente nestes festejos, me lancei no universo das festas dos Negros do Rosário, principalmente quando da minha entrada no curso de História no ano de 2002. O período da graduação foi passando e a idéia de desenvolver uma pesquisa sobre as festas dos Negros do Rosário foi sendo amadurecida a partir do diálogo com os professores, das leituras que fiz na experiência acadêmica e dos contatos que mantive com os próprios Negros do Rosário, que compartilharam comigo relatos de vidas e de festas.
Em contatos iniciais com alguns Negros do Rosário, sempre ficava transparecido que dentro do grupo existia alguns que ocupavam o lugar de “guardião da memória”. Estes são chamados de “os mais velhos”, pois são detentores de um conhecimento e um reconhecimento dentro do grupo, em virtude de suas longevidades. Tive a oportunidade de adentrar as residências de alguns “guardiões da memória”, como a casa do senhor Joaquim Dantas, “antigo Presidente da Irmandade”, o senhor Antônio Capitão, o senhor Amaral, Chefe da Boa Vista, e também a Senhora Dona Inácia “Caçote” e o Senhor Zé Vieira, a quem eu presto minha homenagem, pois “até morrer, eles souberam amar a Virgem do Rosário”.
Conversar com estas pessoas foi viajar a diferentes tempos, uma incursão pelos caminhos da memória. Foi vivenciar uma experiência de troca sem precedentes. Deles levo comigo mais do que simples depoimentos...
Destes contatos, surgiu à articulação de um projeto de pesquisa monográfica, concluída no ano de 2006, com a defesa de minha monografia intitulada Entre Estratégias e Táticas: enredos das festas dos Negros do Rosário em Jardim do Seridó-RN, rendendo-me o título de bacharel e licenciado em História, pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
No ano de 2007, recebi a visita do senhor Antônio José dos Santos- Chefe da Irmandade – relatando-me que o cargo de tesoureiro da Irmandade do Rosário ia ficar vacante com a saída do antigo tesoureiro e secretaria, nas pessoas do senhor Geraldo José de Lima - “Turco” – e Francisca Helena, respectivamente; fazendo-me o convite em me tornar tesoureiro desta congregação.
Tive a oportunidade de refletir acerca desta função de extrema importância para todos que formam a Irmandade do Rosário e São Sebastião. Aceitando o convite no mês de dezembro de 2007, fiquei como colaborador nas festividades passada, onde tive a grata satisfação de ter conseguido através da articulação nossa e do senhor José da Noite de Medeiros, a aquisição de um novo fardamento, patrocinado pela Fundação José Augusto e a Casa de Cultura Popular do Rio Grande do Norte.
Ao longo da história da Irmandade do Rosário, fundada em 1863, muitas coisas foram feitas, no sentido de manter viva esta manifestação da cultura e da religiosidade popular. Inúmeros foram aqueles que por esta congregação deixaram suas marcas. Quantos reis perpétuos, juízes, escrivãs, presidentes, chefes, já passaram por esta festa. A história nos mostra que nada é fixo, estável, imóvel, mas tudo se transforma, muda, passa. E nós, como continuadores desta tradição, temos inúmeros desafios a cumprir.
Devemos, pois darmos as mãos, Irmandade, Igreja e todas aquelas pessoas de boa vontade, no sentido de continuar fazendo desta festa e desta Irmandade uma tradição continuamente apropriada, praticada e vivida pelos Negros do Rosário, pois como me disse certa vez a senhora Dona Inácia (in-memoriam): “eu não quero que esta festa morra”.

Jardim do Seridó, 6 de março de 2008.
Diego Marinho de Gois, novo tesoureiro.

APRESENTAÇÃO



Prezado leitor,

É com muita satisfação que criamos este blog. Nosso objetivo é divulgar notícias, informações e artigos históricos sobre a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Sebastião de Jardim do Seridó-RN, conhecida popularmente como Irmandade dos Negros do Rosário; uma congregação religiosa e cultural existente nesta cidade desde 1863.
Quando falamos em Irmandades, geralmente, temos uma tendência em situar estas congregações como representativas da cultura barroca, uma vez que, existe uma tendência na própria historiografia brasileira em fazer a leitura das Irmandades como sendo representantes de um passado distante, colonial. A sensação que temos é a de que as Irmandades fizeram parte de um passado que não existe mais. No entanto, está presente em Jardim do Seridó-RN, especificamente nos dias 30 e 31 de dezembro e 1º de janeiro de cada ano permite perceber que a devoção dos negros a Virgem do Rosário continua a ser uma tradição continuamente vivida, praticada e atualizada no presente de cada Negro do Rosário.
Se deparar com uma Irmandade de Nossa Senhora do Rosário vibrante em pleno século XXI, isto é, numa época em que a própria história, em sua forma tradicional, havia decretado o seu desaparecimento, tem despertado a curiosidade de pesquisadores, historiadores, antropólogos, jornalistas e demais ramos das ciências humanas, em querer investigar e problematizar está questão; emergindo no contexto atual, inúmeras pesquisas a nível de graduação, especialização, mestrado e doutorado sobre a questão das Irmandades.
Além disso, o estudo da questão negra, das Irmandades, das festas do Rosário e da dança do espontão, tem se colocado nos últimos anos como um dos conteúdos mais incentivados na educação brasileira na contemporaneidade, sobretudo, pela emergência de novas disciplinas no currículo escolar, seja no ensino fundamental ou médio, como: História da África, Cultura Brasileira, Cultura do Rio Grande do Norte, dentre outras. A preocupação que se tem por parte dos professores é com relação a pouca existência de materiais didáticos e fontes de pesquisas disponíveis ao alunado, ávidos em conhecer as manifestações da cultura popular do Rio Grande do Norte.
Perante o exposto, este blog surge, também, como uma tentativa em disponibilizar ao público interessado, artigos de cunho histórico sobre a Irmandade dos Negros do Rosário de Jardim do Seridó-RN, objeto do nosso estudo durante o período de graduação em História, resultando na monografia intitulada Entre Estratégias e Táticas: enredos das festas dos Negros do Rosário de Jardim do Seridó-RN.
Este blog também disponibilizará informações sobre a participação da Irmandade do Rosário em eventos, as visitas de estudantes e turistas a Casa do Rosário, fotografias, enfim, a nossa atuação como tesoureiro desta congregação e as atividades desenvolvidas.

DIEGO MARINHO DE GOIS: Bacharel e Licenciado em História pela UFRN e tesoureiro da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Sebastião de Jardim do Seridó-RN.